9 de março de 2011

LIBERDADE DE EXPRESSÃO HOMO-AFETIVO NO CARNAVAL DE SALVADOR – REFLEXO CARNAVALESCO, UM GRANDE GUETO OU UMA TENDÊNCIA?


Tenho observado ao longo destes anos no Carnaval de Salvador, principalmente no circuito Barra – Ondina um fenômeno interessante em relação a expressão homo-afetivo. Pessoas bastantes à vontade para se beijarem, andarem de mãos dadas e expressarem seus desejos e necessidades de afeto, sem a preocupação aparente de serem repudiadas por aqueles que têm este tipo de preconceito. O interessante a ser observado é que este fenômeno antes era concentrado  no “Beco da Off”, localizada na Barra, onde há uma Boate Gay ampliando-se um pouco mais para suas imediações, entretanto tenho observado um crescimento considerável na ampliação deste espaço. O que me faz questionar:

Esta liberdade de expressão homo-afetivo seria apenas um reflexo carnavalesco, um grande gueto ou uma tendência?

Um pouco da História do Carnaval.

Há controvérsia sobre a origem do carnaval, se surgira a partir da Idade Média, criado pela Igreja Católica ou na Antiguidade, pelas sociedades egípcias e greco-romanas. Inclusive a expressão “carnaval” é de origem grega. Onde o termo “carnis valles” se origina da junção das palavras em grego “carnis” que traduzindo quer dizer “carne” e “valles” significando “prazeres”, logo etimologicamente “carnaval” significa prazeres da carne.

Apesar disso, a primeira versão defende o surgimento no ano 604, quando o Papa Gregório I definiu um período do ano onde a sociedade deveria se dedicar, exclusivamente às questões espirituais evitando tudo que satisfizesse os prazeres da carne. Este período seriam quarenta dias, denominado “quaresma”, onde deveria ser evitado o sexo, carnes vermelhas, bebidas alcoólicas e festividades. Entretanto, os três dias antes da quaresma, que iniciaria na quarta-feira de cinzas os prazeres da carne eram vividos deliberadamente. 

Guetos

O gueto é um espaço onde se agrupam minorias marginalizadas por um grupo dominante. Verifica-se na história das civilizações a formação de vários guetos. No Brasil Colonial, o Quilombo dos Palmares tornou-se símbolo de resistência negra à escravatura. Tendo surgido no Século XVI foi constituído por escravos que fugiram dos engenhos das capitanias da Bahia e Pernambuco se estabelecendo na Serra da Barriga, atualmente pertencente ao município União dos Palmares – Alagoas. O Quilombo dos Palmares era o refúgio, era a liberdade, era o gueto que representava esta liberdade.

Diferentemente disso, com a ocupação nazista na Polônia em 1939, um Grande Gueto era formado como forma de isolar a população judaíca. Em 1940 o Gueto de Varsóvia, criado pelos alemães nazistas, agrupava 380.000 judeus sendo que até 1942 300.000 pessoas foram exterminadas nos Campos de Extermínio de Treblinka ou ali mesmo em Varsóvia.

Vale ressaltar que não apenas judeus foram exterminados pelos nazistas, mas todos aqueles que representavam a diferença étnica, nos seus aspectos raciais, nacionais, religiosos e políticos. Numa tentativa de “limpeza étnica” maior expressão da intolerância a diferença.

Homossexualidade e o Gueto

Várias reflexões podem ser feitas quando se refere à homossexualidade e o gueto. Algumas como:

Seria o gueto uma saída para vivência homossexual?

Seria a manutenção da marginalização deste grupo minoritário?

Este grupo é mesmo a minoria?

Seria o gueto um refúgio transitório no processo de luta e conquista pela liberdade?

Seria um esconderijo para os que não têm condições estruturais, psíquico-emocionais, para se aceitarem e se assumirem socialmente encontrando no gueto identificação?

A constituição de guetos gays se aproxima mais do Quilombo dos Palmares ou do Gueto de Varsóvia?

São muitas indagações e reflexões a serem feitas sobre os guetos gays, o fato é que eles ainda existem e de uma forma ou de outra reúnem seres humanos que anseiam atender as suas múltiplas e complexas necessidades puramente humanas.

Homo-afetividade no Carnaval de Salvador

Tendo visto todas estas informações e feito todos estes questionamentos e reflexões retorno ao questionamento primeiro:

Esta liberdade de expressão homo-afetivo seria apenas um reflexo carnavalesco, um grande gueto ou uma tendência?

Não ouso dar conta de uma resposta fechada a este complexo questionamento, mesmo porque é um tema que merece maiores e melhores estudos aprofundados. Entretanto, me atrevo a expressar minha percepção, ou seja, a minha observação contaminada como os meus valores, minhas expectativas, minha história, meu contexto de vida, enfim a percepção reflexa do meu “Eu” ou quiçá de parte de mim, o meu “Ego”.

Assim, acredito que este fenômeno seja um pouco de tudo isto. Para uns, reflexo carnavalesco, ou seja, após o carnaval nada de beijo na boca, mãos dadas ou troca de carinho em público, tudo volta ao “normal”, ou melhor, “no armário”, o gueto volta a ser o único espaço possível segundo este padrão. Para outros, um grande gueto que se forma no período carnavalesco e que tem se expandido para além das imediações do “Beco da Off”, mas ainda limitado a Barra diante a  enorme Salvador. Para mim, numa perspectiva otimista, uma tendência, se considerarmos o processo de conquista de direitos, de espaço, de aceitação e principalmente de auto-aceitação.

Uma tendência se configura como um processo em progresso, em que percentual disso se está não sei dizer, mais é fato que já avançamos muito.


Por Marcelo Bhárreti

Um comentário:

  1. Ótima reflexão, querido Marcelo! Realmente, vi algumas cenas pela internet do carnaval de Salvador e me questionei porque no carnaval pode e depois não pode mais? É muito pano pra manga, mas também vejo como uma tendência bastante positiva.

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