Todos os dias têm-se notícias de violência, nas ruas, em casa, na escola. De forma que tanto a violência física e psicológica faz parte de nosso cotidiano, causando muitas vezes perdas e danos irreparáveis. O quê acontece?
A tragédia na escola em Realengo no Rio de Janeiro infelizmente não é um caso isolado, no Brasil talvez uma infeliz novidade, mas em paises como os Estados Unidos não, uma triste realidade. Na Holanda, na mesma semana, um atirador invadiu um shopping e fez várias vítimas. Por que isso?
Quem são estas pessoas e o que motivam seus atos?
Diante tristes eventos costumamos fazer tais indagações e infelizmente também superficiais julgamentos.
Aprendemos, culturalmente a sermos dicotômicos e a interpretar o mundo em dois pólos opostos - o certo e o errado, o bonito e o feio, o bem e o mal, o bom e o mau, o tudo e o nada. Seria esta a perspectiva mais inteligente? Tal classificação e julgamento dá conta de fato de compreender fenômenos humanos tão complexos?
Em situação como esta em Realengo é comum às pessoas julgarem a partir da dicotomia. Logo Wellington, autor do trágico evento torna-se o “monstro”. De fato, seu ato foi monstruoso, mas quais as outras monstruosidades subjacentes a esta? O que este evento pode nos chamar a atenção?
Fala-se em aumentar a segurança nas escolas. Esta medida teria mesmo evitado o ocorrido em Realengo?
Reflitam comigo!
Wellington que tinha 23 anos era ex-aluno desta escola. Relatos falam de uma pessoa esquisita, isolada, com comportamentos estranhos. Mas, o que de fato se passava na mente deste rapaz é um enigma, apesar de seus comportamentos sinalizarem que algo havia de "errado".
Tem se falado também que o rapaz sofria de esquizofrenia, inclusive que fez algumas sessões de psicoterapia até o falecimento de sua mãe. Logo uma mente desorganizada e desconectada com a realidade. Este é um ponto a considerar.
Quantos alunos, com o mesmo problema mental de Wellington devem existir em nossas escolas? Talvez nem tenhamos noção disto. Por que será?
Por que o Estado não faz valer a presença de psicólogos nas escolas, como forma, inclusive de identificar casos como este, providenciando intervenções preventivas?
Geralmente as pessoas rotulam pessoas com comportamentos diferenciados da maioria e contribuem para o seu isolamento excluindo-as do convívio social dos ditos “normais”. É claro que não existem justificativas para este caso, nem para nenhum outro que no que diz respeito tirar a vida de outras pessoas. Entretanto, uma reflexão mais aprofundada e sob a égide do pensamento crítico pode nos favorecer em compreensão potencializando novos caminhos.
Depois do ocorrido em Realengo como os “diferentes, os estranhos, esquisitos e anormais” serão vistos pelas pessoas que julgaram Wellington como um “monstro”? Como ficam aqueles que têm doenças mentais?
Existe alguma diferença entre um ato perverso e um ato insano de um indivíduo em surto?
Provavelmente para familiares, colegas, funcionários e outros envolvidos mais diretamente com ocorrido e ainda emocionalmente abalados tais reflexões são mais difíceis de serem feitas, mas nós outros podemos pensar no assunto criticamente questionando inclusive as ideias prontas veiculadas pelos diversos meios de comunicação.
Caso Wellington fosse de fato um esquizofrênico o que se passava em sua mente e como se passava?
Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamentos da CID-10 (1993), a esquizofrenia (F20 – F29) é de forma geral caracterizada por uma perturbação mental, que implica em distorções elementares e características do pensamento, da percepção assim como do afeto inadequado ou embotado, com níveis de desconexão da realidade concreta, aquela compartilhada por todos. A Esquizofrenia paranóide (F20.0) é o tipo mais comum e os sintomas podem ser: (a) delírios de perseguição ou persecutoriedade; (b) delírios; (c) alucinações auditivas, visuais, táteis, olfativas, gustativas.
Quando em surto o grau de perturbação mental e desconexão com a realidade estão em nível muito elevado. Se for um caso de uma paranóia persecutória, onde há percepção de perseguição, o psicótico tende a se defender do estímulo aversivo, ameaçador fugindo, entretanto quando se sente acuado pode torna-se agressivo a terceiro, geralmente isto acontece em momentos de surto e as vitimas são aquelas que, em sua fantasia, correspondem a uma ameaça real.
Hipoteticamente pode ser o que aconteceu com Wellington. Por que crianças e meninas? Por que ele não matou professores e funcionários? Considerando esta hipótese estas meninas poderiam fazer parte de sua fantasia persecutória, ameaçado e acuado por esta representação ele se defende deslocando sua agressividade em seus “algozes internos” projetados em crianças.
Considerando esta hipótese e também independente da validade dela, por que não realizar maiores e melhores investimentos na saúde mental de nossa sociedade?
Será mesmo que se trata apenas de uma questão de limitação estratégica na segurança das escolas? Quem garante que isso não possa acontecer de outra forma, com outros alunos, com este ou com outros problemas mentais sejam patológicos ou apenas em níveis de adaptação e ajuste comportamental?
Agora fazendo uma reflexão da saúde mental de nossa sociedade, considerando o comportamento dicotômico que atribui monstruosidade, generalizando e cristalizando o ato ao ator, onde está sanidade nesta conduta? Um esquizofrênico paranóide projeta seu “monstro” na realidade fora dele, que, aliás, ele não a diferencia em termos de limites. E o que dizer da projeção de nossos monstros interiores projetados noutrem? Quantas vezes não somos nós que como mecanismo de defesa do ego projeta fora a realidade interna? Quantas vezes julgamos e condenamos os criminosos fora de nós, quando não temos condições de admitir e reconhecer fazendo parte em algum nível do que somos?
O “monstro fora” muitas vezes é a projeção do “monstro dentro”. Nestes eventos infelizes que experenciamos evidencia-se através da projeção psicológica a imaturidade humana predominante. Os atos devem ser focados antes de tudo, de forma a serem trabalhados devidamente. Quem pode garantir de fato que, nunca cometerá um ato insano, está passível urgentemente de avaliação psicológica. Não temos esta garantia porque não nos conhecemos plenamente.
Temos noção de um “Eu” que pensamos sermos “Nós”, isto se chama Ego, entretanto somos muitos “eus” que precisam ser reconhecidos, acolhidos, trabalhados em um processo de integração psicológica, tornando-se “si - mesma”, inteira, Self, que Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço e fundador da Psicologia Analítica denominou de Individuação, o processo de ampliação da consciência que integra e totaliza o indivíduo.
A tragédia em Realengo não se limita aquele contexto e nem tão pouco aos seus personagens, mas a nossa co-participação social nos eventos que nos dizem respeito. Subjaz no ínterim de nosso mundo interno, em nossa inconsciência pequenas tragédias que encontram brechas a se tornarem conscientes em nosso mundo externo compartilhado.
O ator do tal ato somos nós em alguma medida, considerando que integramos uma malha social, uma mente coletiva, com seus “anjos e demônios” convivendo, interagindo e trocando de papeis o tempo todo. Enquanto o problema for o outro continuaremos atribuindo culpa e responsabilidade e concomitantemente nos marginalizaremos do processo de transformação e amadurecimento individual e coletivo. Permaneceremos vitimas, não dos outros, mas de nossa própria ignorância e preguiça existencial.
Por Marcelo Bhárreti.
REFERÊNCIA
Classificação de Transtornos mentais e de comportamentos da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas – Coor. Organiz. Mund. da Saúde; trad. Dorgival Caetano. – Porto Alegre: Artmed, 1993.
Dicionário Crítico de Análise Jungana. Acesso em 14 de abril de 2011. Disponível em: http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/indvidua.htm.
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