29 de junho de 2010

A TRAGÉDIA EM ALAGOAS




REFLEXÃO UMA TROMBA D'ÁGUA QUE ATINGIU A CIDADE DE MACEIÓ EM 1949 E A RECENTE TRAGÉDIA PROVOCADA PELAS CHUVAS EM MUNICÍPIOS DE ALAGOAS DURANTE O MÊS DE JUNHO DE 2010 POSTADA POR JOSÉ JÚNIOR!




CONFIRA







UMA TRAGÉDIA

Por: José de Oliveira Junior

Maceió, Alagoas, junho de 2010. No meio do mês de junho o Estado de Alagoas foi atingindo por fortes chuvas que destruíram cidades e vidas. Todo ano é sabido que no nordeste a partir de fim de maio, junho, julho, agosto, as chuvas caem. Muitas vezes essas chuvas caem sem parar de uma forma intensa e seguidamente. Quando o céu desaba em águas, elas podem cair por horas, dias... inundando, encharcando, desconstruindo o construído. No ano de 1949, mês de maio, nos dias 18, 19 e 20 a cidade de Maceió – e mais especificamente o bairro do Poço – sofreu um grave transtorno que modificou o modo de agir e viver de grande número de pessoas. A cidade e os indivíduos que nela habitam sofreram uma desestruturação. Aconteceu um fenômeno da natureza que ficou conhecido como: a tromba d’água. Este infortúnio da natureza consiste em águas que caem do céu sem parar por vários dias. Este fenômeno natural pode-se assemelhar as grandes encenações trágicas ocorridas na Grécia Antiga. As tragédias gregas eram espetáculos teatrais encenados no século V a C. que mostravam os infortúnios trazidos pelo ser humano e sua humanidade.
A catástrofe é um acontecimento inesperado e pode atingir radicalmente a vida das pessoas. O inverno com suas chuvas é sempre esperado pela experiência cotidiana da população, mas uma Tromba d’água é inesperada. Por mais rigoroso que fosse o inverno jamais iria assemelhar-se a força da Tromba d’água, expressão popular que nos conduz a imagem de uma torneira permanentemente aberta para jorrar as águas do céu. O que me remete a Antonin Artaud (1993) quando diz que, não estamos livres e o céu pode desabar sobre nossas cabeças.
A cidade e seus habitantes seguiam o percurso normal de sua cotidianidade, quando aconteceu a catástrofe que recobriu a terra de água, devastando e levando os indivíduos a viverem uma quebra radical no fazer diário.
Neste contexto, a catástrofe (Tromba d’Água) pode ser compreendida como um acontecimento súbito que levou a tragédia (desestruturação nefasta na vida das pessoas).
Carvalho (1980) diz que o regime das chuvas é regular mesmo que haja as pequenas variações nos começos ou nos fins das duas principais estações. Em 18 de maio de 1949 foi divulgado em todos os jornais da capital a grave situação encontrada em virtude de fortes chuvas que caíam sobre esta terra: Chuvas torrenciais caem sobre todo o Estado. Mais de vinte e quatro horas de pesados aguaceiros. Inundada toda a cidade em virtude das fortes chuvas e falta de um perfeito escoamento – desabamento – não há noticia de acidentes (Jornal de Alagoas, 18 de maio de 1949).
Em apenas 24 horas de fortes chuvas toda a cidade começa a alagar. Começava-se a viver uma situação de caos e destruição. Não havia um eficiente escoamento pluvial e não existia sistema de drenagem . As águas torrenciais que caíam, inundavam ruas, calçadas e adentravam pelas casas. Até então, os governantes estaduais e municipais, nunca se preocuparam com a urbanização organizada de nossas cidades, e sobre a população uma vez mais recaía um preço muito alto, um pesado ônus.
Passado tanto tempo, e depois de tantos “investimentos”, pergunta-se: O que foi feito? O que esta sendo feito nas cidades? Porque até hoje nossos políticos não cumprem seu verdadeiro papel, gerir a vida de pessoas em uma cidade. Planejar e urbanizar os espaços habitados e habitáveis. Estamos no século XXI, no ano de 2010. As tragédias acontecem e mais uma vez a vida vira espetáculo. Espetáculo para um grupo que pretende o poder para se mobilizar, dominar, adestrar e “organizar”.
Ainda, em 19 de maio de 1949, as chuvas torrenciais persistiam sobre a cidade de Maceió e a situação tornava-se cada vez mais crítica devido ao crescente volume das águas dos rios e lagoas. Tanto a Capital como os municípios interiores praticamente submergiam, e os flagelados nada podiam fazer. Vivia-se uma das tragédias mais arrebatadoras de que se tinham notícias. Os jornais estampavam em suas páginas a notícia das chuvas; relatando toda a sua conseqüência para a capital e para o interior, e mostravam ao mesmo tempo como o fazer cotidiano de seus habitantes estava sendo alterado.
De acordo com Artaud (1993), sob a ação do flagelo os quadros da sociedade se liquefazem. A ordem desmorona. Ele assiste todos os desvios da moral, a todas as derrocadas da psicologia, escuta em si mesmo o murmúrio de seus humores... E era esse o quadro em que se encontrava a sociedade segundo o Jornal de Alagoas: Maceió isolada do resto do Estado. Impressionantes desabamentos causaram perdas de vida. Interrompidas as comunicações ferroviarias – não funciona o telegrafo da ‘Great Western’ – situação no interior (19 de maio de 1949).
Em conseqüência das fortes chuvas que persistiam em cair, “Barreiras ruiram no Farol, na entrada do Poço e em Bebedouro” , tornando assim a situação ainda mais grave. Com o desabamento das barreiras apareceram nos jornais às primeiras notícias de mortes – porém, com todo o aguaceiro que caía na cidade há alguns dias e, devido à falta de uma melhor informação por parte dos jornalistas e autoridades em relação a esta catástrofe podemos dizer que não foram essas as primeiras mortes, mas as mais brutais que tínhamos tido notícias nos últimos tempos e nos últimos dias, em conseqüência da tromba d’água. E, com a queda das barreiras acontecia um novo cenário para a tragédia.
Os efeitos da queda das barreiras na Rua Barão de Atalaia assemelhava-se a uma verdadeira situação de guerra que “jamais tinha sido vivenciada por nossas gentes” . A situação com a queda das encostas agravou-se. Estavam todos assustados diante da dimensão da catástrofe e atônitos diante de tamanha tragédia.
O Jornal de Alagoas em uma de suas manchetes publicava a calamidade pela qual estavam passando:

O quadro é dantesco. Dificilmente se pode conceber a extenção da tragédia da madrugada assassina de ontem. Apesar de repetidamente condenada a barreira do Farol, ninguém supunha que tivesse lugar o seu desabamento, tal como ocorreu (20 de maio de 1949).

Abala Maceió:
A mais dolorosa tragédia de sua história
Surpreendidos onde dormiam, foram soterrados sob o peso colossal das barreiras.
Os moradores da Rua Barão de Atalaia – Previa-se a Hecatombe – Socorros de urgência – Desabamento na cidade – Cenas trágicas.

Do mesmo jeito estão estampando nos jornais da cidade, hoje, dia 27 de junho de 2010. No jornal Gazeta de Alagoas, no formato eletrônico, tem como manchete a seguinte matéria: “ ‘O que vai ser da minha vida e dos meus filhos agora?’, “Chape-chape. Os três pares de alpercatas batiam na lama rachada, seca e branca por cima, preta e mole por baixo. A lama da beira do rio, calcada pelas alpercatas, balançava”. Essa frase, que serve bem para descrever a jornada de uma família de desabrigados da cheia do rio Paraíba, em Quebrangulo, na verdade é um trecho do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. O autor da obra que retrata o sofrimento da vida do sertanejo nunca poderia imaginar que parte da cidade onde nasceu um dia seria arrasada pela força da água”. E foi o que aconteceu, várias cidades do Estado de Alagoas sofreram com as águas que caíram sem parar, destruindo, derrubando e levando o que tinha pela frente.
As águas trouxeram consigo um contexto trágico através dessa tromba d’água, porque todo o contexto de vida da sociedade foi alterado; muitas pessoas morreram. Uma catástrofe sempre é algo desolador e angustiante que causa tragédia.
Quando uma catástrofe se abate dentro de uma sociedade, de uma cultura, percebemos o quão frágil e desprotegido somos diante do intangível, do aparentemente inexplicável e de tantas destruições se proliferarem. Vivemos num mundo cheio de novidades desagradáveis e, por isso, indesejadas.
A natureza pertence a um reino que não podemos dominar integralmente tampouco controlar – podemos parcialmente prever, embora nem sempre tenhamos a certeza de que realmente irá acontecer determinado fenômeno previsto pelos cientistas.
A natureza sempre foi tratada com indiferença pela humanidade. Sempre a deixamos em segundo e às vezes, até em terceiro, quarto plano, pois não conseguimos entendê-la em toda a sua diversidade nem a respeitamos quanto ela deveria ser respeitada. Essa mesma natureza que tanto desprezamos, às vezes, e quase sempre nos surpreende com sua força e seu poder. É capaz, por exemplo, de destruir uma cidade. Seu poder pode ser de uma força surpreendente e destruidora.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALMEIDA, Luiz Sávio de. A História Escrita no Chão. – Maceió: EDUFAL, 1997.
ALMEIDA, Luiz Sávio de. Alagoas nos Tempos do Cólera. – São Paulo: Estruturas Editoras, 1996.
ARISTÓTELES. Poética / Aristóteles; [Tradução Eudoro de Souza]. – São Paulo: Ars Poética, 1993.
ARTAUD, Antonin, 1896-1948. O Teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes. 1993.
BERGER, Peter L., et alli. A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.
Catástrofe e Representação: ensaio / Arthur Nestrowski, Marcio Seligmam-Silva (org.) – São Paulo: Escuta, 2000.
CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação Histórica de Alagoas. Ed. Grafitex. Maceió – Alagoas. 1980
CABRAL, Otávio. O Trágico e o épico pelas veredas da modernidade. Maceió: EDUFAL, 2000.
Jornal de Alagoas do ano de 1949. De Janeiro a Dezembro.
Gazeta de Alagoas do ano de 1949. Mês de julho.
Jornal O Semeador de 1949. De Janeiro a abril.
http://gazetaweb.globo.com/v2/noticias/texto_completo.php?c=207684, consultado no dia 27, de junho de 2010.




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