30 de julho de 2012

Libido e Agressividade - Energia Psíquica Disponíveis à Ação



Sabe-se que o conceito de energia é complexo em si, mas sabe-se também que toda ação no universo requer energia, em forma e natureza diversa, passível de transformação de uma forma para outra, como visto em relação à energia elétrica em luminosa ou cinética. Assim do movimento de atração e repulsão das subpartículas atômicas, perpassando pelo movimento de um músculo do corpo à atividade psíquica, toda ação requer energia.

No âmbito das atividades mentais diz-se que a energia psíquica é necessária às ações desta natureza. A psicanálise trabalha com os conceitos de pulsão de vida e de morte, respectivamente libido e agressividade, como duas formas de energia psíquica necessária à ação das quais se  manifestam em atitudes e comportamentos.

Em se tratando da agressividade, ao contrário do que diz o senso comum, ela não é intrinsecamente boa ou ruim. Trata-se de uma força ou energia psíquica necessária às múltiplas ações do cotidiano. Por outro lado, são as ações e não a agressividade em si que determinam o caráter qualitativo de seu investimento. Se descarregada por meio da violência ou se utilizada para destruir os obstáculos internos que dificultam o equilíbrio psíquico é o que faz toda a diferença.

Por sua vez a libido é  denominada de pulsão de vida, por está associada ao amor, no que diz respeito às ações que criam, atraem, ligam os seres ou estes as coisas que representem objeto de seus desejos. Sempre no sentido de integrar os elementos. Em contrapartida, a pulsão de morte ou agressividade está representada pelas ações que visem à destruição, a repulsão e desintegração dos elementos. As duas formas de energias são necessárias a homeostase ou equilíbrio psíquico.

Considerando que este equilíbrio é rompido, toda vez em que o indivíduo é estimulado, a mente ou campo psíquico excita-se e esta elevação de cargas psíquicas, também denominada de tensão é experienciada com sofrimento. Quanto maior a estimulação, maior será a tensão e proporcionalmente o sofrimento psíquico. Por isso a mente precisa ser aliviada, descarregada por meio das ações – atitudes e comportamentos. A agressividade como a libido são formas de energia psíquica necessária a tais ações.

Considere uma situação em que um indivíduo caminha pela rua e tropeça numa pedra. A dor física sentida pelo indivíduo também lhe causa sofrimento psíquico por representar um estímulo que excita a mente elevando a quantidade de cargas psíquicas. Ora esta elevação de cargas ou tensão precisa ser descarregada de forma a reestabelecer o equilíbrio psíquico ou homeostase anterior a este evento. Como isto é feito?
Por meio de uma ação capaz de descarregá-la totalmente. Neste caso pode ser um grito ou quem sabe um chute na pedra que lhe causou dor física e concomitantemente sofrimento psíquico. Observe que o chute ou o grito são ações de repulsa, de afastamento, de destruição e/ou eliminação de algo que representa o estímulo psíquico, enfim, tais ações desintegram elementos. Compreende? A energia utilizada nestas ações é a da agressividade.

Agora considere outra situação. Um indivíduo que gosta de doces passa por uma vitrine de uma lanchonete e ver o seu doce preferido. O que você acha que acontece? O doce serve de estímulo visual e excita sua mente, automaticamente ele deseja o doce. Considerando o processo descrito anteriormente, como você acha que o indivíduo reestabelecerá o equilíbrio psíquico anterior? Enquanto a representação mental do doce lhe servir de estímulo, o indivíduo continuará desejando até que encontre um meio eficaz de satisfação, ou seja, descarregando o campo psíquico reestabelecendo a homeostase ou equilíbrio psíquico por meio de uma ação. Quem deseja carece de algo, sente falta de alguma coisa. Estará satisfeito quando este algo estiver integrado a si. Ao pegar o doce e comer ele está satisfazendo o seu desejo, porque o seu campo psíquico deixa de ser estimulado. Observe que a ação de pegar, de comer funciona de forma a integrar elementos, logo a energia necessária a tais ações é a da libido.

Todavia não existe uma única forma de eliminar a tensão quando a mente é estimulada. Quando a demanda psíquica é de atração ou de repulsão por meio de uma ação, não necessariamente o indivíduo se satisfará pegando e comendo o doce ou gritando e chutando a pedra. O que está em jogo é a homeostase psíquica que precisa ser reestabelecida. Quando a mente é estimulada não há uma fonte exclusiva de estímulo que produz a excitação. Tampouco o estímulo é apenas de origem orgânica, veiculado pelos sentidos, no que concerne o tato, o olfato, a visão e o paladar. Eles também são de origem mnêmica, ou seja, representações psíquicas ou lembranças das sensações obtidas pelas experiências satisfatórias. Por isso que os estímulos podem ser externos, quando por meio dos sentidos ou internos por meio da memória. O que define plena satisfação é a capacidade que o indivíduo adquire em representar estes meios de satisfação (ação) como satisfatório na relação com tais objetos (coisas, pessoas e eventos). Assim não é o ato de pegar e comer o doce em si, mas o que isso representa em termos de eficácia. Tampouco  não é o ato de gritar ou chutar a pedra, mas a sua representação psíquica. Mas, como estas experiências tornam-se representativas a ponto de por meio delas se justifique a busca pela satisfação?
                
A memória tem papel fundamental neste processo, assim como a capacidade de significar e resignificar a relação objetal [relação entre os meios (ações) e com os objetos (coisas, as pessoas e os eventos)]. A representatividade desta relação é constituída a partir das experiências. Por exemplo, quando a criança sentiu fome pela primeira vez foi por meio da experiência oral que ela se satisfez. Sabe-se que ao lado do desconforto de ordem fisiológica há também, concomitantemente o desconforto psicológico, por conta da excitação psíquica. Foi pela introjeção do alimento que o desconforto geral foi sanado. Esta experiência é registrada na memória. E da próxima vez em que a criança sentir fome desejará a experiência de satisfação que lhe proporcionou alívio pela eliminação do desconforto. O mesmo acontece quando as fezes fazem pressão nas paredes do intestino para serem excretadas. Ora tal pressão é fonte de estimulo excitando o campo psíquico, que só será descarregado na medida em que a fonte de estímulo for eliminada, neste caso pela expulsão das fezes. Tais experiências são representadas como satisfatória porque atenderam a necessidade psíquica de reestabelecimento homeostático. Logo, os atos de atrair e repulsar são representados psiquicamente como satisfatórios e constituem-se princípios ativos para outras ações com potencial associativo.
                
Sabe-se que para criança a necessidade de reestabelecer o equilíbrio psíquico é imperante, quanto menos idade tiver. Diante um determinado estímulo, o impulso é contínuo e por isso demanda satisfação imediata. A psicanálise denomina esta busca imperante pela satisfação de Princípio do Prazer. Devido o caráter contínuo do impulso, sendo que nem sempre encontra meios imediatos de satisfação, a criança desenvolve, paulatinamente, a capacidade de adiar a satisfação experimentando o investimento em outros meios. Assim passa a ser regida também pelo Princípio de Realidade.  Observe as crianças de 0 a 1 ano de idade, sua principal fonte de estímulo nesta fase é boca, por isso também é o principal meio de satisfação. O bebê busca satisfação mamando, colocando o dedo na boca, mordendo, etc. São por estas ações que bebê descarrega a libido ou a agressividade aliviando a excitação psíquica. À medida que ela cresce ela desenvolve a fala e desta forma mais um meio de satisfação.

Voltando aos exemplos do indivíduo que deseja o doce e o que grita e chuta a pedra, questione: será mesmo a ação de pegar e comer o doce ou gritar e chutar a pedra a única forma de satisfação?

Certamente que não!

Entretanto, é preciso que ele descubra outros meios que dêem conta desta demanda psíquica, que é: satisfazer-se eliminando tensão por meio de uma ação.

Desta forma, alguém frustrado por algum motivo pode descarregar a agressividade agindo violentamente ou utilizando esta mesma energia para realizar uma atividade física, se este meio se revelar eficaz. Ou alguém que deseja muito comer um bolo de chocolate inteiro utilize parte desta energia para compreender o que subjaz este desejo, percebendo ao final, que no fundo sua demanda é de afeto e que por isso é preciso investir esta energia em algo que realmente lhe satisfaça satisfatoriamente. Porque o bolo inteiro, provavelmente é apenas um representante derivativo do seu desejo original. É preciso então resignificar o bolo em sua representatividade, assim como encontrar meios mais eficazes de investimento desta energia.
                
Agir no primeiro impulso é sempre o meio mais primitivo de resolução da demanda psíquica de satisfação. Por isso é preciso desenvolver a capacidade de adiar satisfação, sem negar nenhuma demanda. A reflexão sistemática e profunda, no cerne destas demandas, proporciona o investimento mais assertivo das pulsões psíquicas – sejam a libido ou agressividade, quiçá as duas concomitantemente. Por isso é necessário o autoconhecimento, de forma que se possa gerenciar e investir melhor as energias em ações mais eficazes e positivas.

Por Marcelo Bhárreti

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