Por Marcelo Bhárreti
A sexualidade humana é complexa tal qual o ser humano é. Constituídos de aspectos múltiplos, pode-se considerar a síntese humana como o resultado da convergência de natureza psíquica-bio-sócio-histórico-cultural. A Mente e o corpo integram um único ser formando um contínum que só pode ser compreendido quando considerado a interação associada de partes formando a Totalidade (Self). Assim, considerando a sexualidade um dos aspectos do ser humano, compreendê-la mais aproximadamente de sua inteireza requer a priori a consideração desta dinâmica inter-relacional de aspectos múltiplos-constítuintes.
Ao tema sexualidade humana tende-se a considerar a dualidade entre o homem e a mulher e / ou o masculino e o feminino. Essa dualidade parece encontrar justificativa na percepção das diferenças entre este dois seres. Entretanto, antes de concentrar esforços no estudo das diferenças existentes entre estes dois seres vale ressaltar a natureza constituinte que os assemelham.
O que é o ser homem e o que o ser mulher? Onde está o feminino e o masculinho em um ser complexo? De que perspectivas podem-se considerar as diferenças que os identificam como seres distintos e em que aspectos este se assemelham?
De uma perspectiva biológica Parisotto (2009) coloca que as diferenciações entre os dois sexos ocorrerão a partir da quinta semana de gestão, quando haverá uma diferenciação das gônadas, propiciadas pela presença do cromossomo Y, que desenvolverá as gônadas primitivas em testículos, dos quais produzirão o hormônio testosterona desviando o desenvolvimento para o masculino. Os ductos de Muller e Wolff, que dão origem o desenvolvimento da genitália feminina e masculina respectivamente. Assim, a ação da testosterona e do FIM (Fator inibidor de Muller) faz desenvolver o aparelho reprodutor masculino. A ausência do cromossomo Y quebra este sequência e dá-se o processo de desenvolvimento do aparelho reprodutor feminino.
Vê-se que biologicamente as diferenciações entre o homem e a mulher, o masculino e o feminino ocorrem antes mesmo destes ingressarem no contexto sócio-histórico-cultural. As diferenciações, entretanto, não podem ser entendidas enquanto determinantes, mas como funcionais dentro de uma dinâmica natural-biológico-evolutivo da espécie humana.
As funções sexuais iniciam-se, em ambos os sexos, a partir da liberação do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo, o qual estimula a secreção pela adeno-hipófise de dois hormônios: LH e FSH. Assim, para o paradigma biológico, o desejo sexual humano sofre forte influência da atuação destes hormônios, mas é resultado também dos fatores psicossociais, quanto à excitação sexual (PARISOTTO, 2003).
Do ponto de vista biológico as diferenças encontram-se sentido nas funções sexuais de cada ser considerando a dinâmica natural-biológico-evolutivo do mesmo. Gozzo ET AL (2000, p. 84) coloca que “Por razões culturais o sexo até há algum tempo era visto comumente como algo ligado a reprodução, o prazer era reprimido, por ser considerado pecaminoso ou moralmente condenável.” Entretanto, sendo o ser humano complexo multi-constituído a sexualidade não se limita ao biológico atendendo a outras funções, como psico-afetivas sendo influenciadas pela dinâmica do contexto sócio-histórico-cultural.
Assim sendo, à compreensão da sexualidade requer entre outras considerações o perpasse pela compreensão de identidade de gênero. MOTA (1998, p. 146-147) apud Giffin (1994) coloca que:
É fato que, além das características biológicas que promovem a diferença dos sexos, existe o gênero. Trata-se de um complexo de determinações e características que designam socialmente o que é ser masculino e feminino em determinada cultura. Assim, o corpo recebe uma significação sexual que é definida como referência sobre o que é ser masculino e feminino. Tal significação aparece como norma, valores, percepções, representações que acompanham a vida dos sujeitos.
Segundo Arán e Júnior (2007) o gênero é uma norma sexual construída histórica e socialmente que binariza o masculino e o feminino, entretanto enfatiza o seu aspecto subjetivo que ultrapassa o binarismo masculino-feminino naturalizado como é o caso dos transgêneros – transexuais e travestis.
A fim de compreender o conceito de identidade de gênero a partir das perspectivas de alguns teóricos, se faz necessário trabalhar, a priori, o seu significado vernacular. Logo os termos ‘identidade’, ‘gênero’, assim como ‘masculino’ e ‘feminino’, serão verificados separadamente pelo prisma vernacular.
De acordo com o vernáculo, o termo ‘identidade’ segundo Ferreira (2008, p. 459) significa “[...] sf. 1.Qualidade de idêntico. 2. Os caracteres próprios e exclusivos duma pessoa: nome, idade, estado, profissão , sexo, etc.”. Logo a identidade de alguma coisa é aquilo que a caracteriza como tal e que a assemelha ou a diferencia em comparação a outra coisa.
Já o termo ‘gênero’ segundo o significado vernacular quer dizer “[...] sm. 1. Agrupamento de indivíduos, objetos, etc. que tenham características comuns. [...] 4. Antrop. A forma como se manifesta, social e culturalmente, a identidade sexual dos indivíduos” (FERREIRA, 2008, p.430-431).
Assim pode-se compreender identidade de gênero de acordo com o significado vernacular como a caracterização própria de aspectos que identifica e agrupa pessoas ou coisas mediante aspectos comuns entre estes.
De acordo com o vernáculo, ‘masculino’ quer dizer “[...] adj. 1. Que é do sexo dos animais machos; macho. [...] 3. Gram . Diz-se dos nomes que pela terminação e concordância designam seres masculinos, ou como tal considerados” (FERREIRA, 2008, p.540).
Já o termo ‘feminino’ denota “[...] adj.1. Relativo ao sexo caracterizado pelo ovário, nos animais e nas plantas. [...] 3. Gram . Diz-se do gênero de palavras que, pela terminação e concordância, designam seres femininos, ou considerados como tal [...]” (FERREIRA, 2008, p.401).
Vê-se que de acordo o vernáculo os termos ‘masculino’ e ‘feminino’, enquanto adjetivos representam as características biológicas de um ser, ou seja, características físicas. Já o sentido gramatical denota características abstratas que dependem de uma consideração para tal. Em síntese há uma dimensão concreta e outra abstrata à designação de masculino e feminino.
Aplicando estas dimensões vernaculares ao âmbito da sexualidade humana, pode-se inferir que o gênero masculino, assim como o feminino não se limita à dimensão concreta, ou seja, ao biológico, mas se amplia à dimensão abstrata, quando se define pela perspectiva da identificação psicológica dos atributos generativos de seu respectivo agrupamento sócio-histórico-cultural.
Gozzo ET AL (2000, p. 84) apud Scott (1989) coloca que:
[...] os estudos de gênero incluem temas que são, em geral, considerados caracteristicamente ligados às mulheres, mas não se limitam a eles. Assim, o gênero, enfocado como categoria sociológica, traz novas possibilidades para se pensar a questão do homem e da mulher, articulando as relações sujeito e sociedade.
Quanto aos papeis sociais atribuído aos gêneros Parisotto (2003) coloca que às características de cada um, dependem da construção histórico-cultural e do processo de identificação com os modelos referenciais de atributos masculinos e femininos oferecidos na infância, durante o processo de estruturação da sexualidade, corroborando neste aspecto, com o modelo de psicanalítico.
Em concordância com esta ideia Anjos (2000) assevera que, histórica e socialmente foram construídos os atributos comportamentais para cada gênero, ou papeis sociais que opuseram o masculino ao feminino.
Vê-se que de acordo com esta perspectiva, os comportamentos masculinos e femininos não são exclusivamente biológicos, mas sofrem influencia do contexto cultural-histórico. Logo, o que se espera de um homem e de uma mulher em termos comportamentais parte de um paradigma daquilo que se convencionou como de homem e de mulher, ou seja, daquilo que foi construído ao longo do tempo e difundido culturalmente.
Esta construção influenciou a dominação do primeiro, tido como forte, grande e acima, em relação ao segundo frágil, pequeno e abaixo. Com isso, socialmente construiu-se uma hierarquização entre os gêneros, naturalizando seus atributos. Ao mesmo tempo em que, o masculino era constituído socialmente na hierarquia de valor e domínio como superior, era também instituída a heterossexualidade como norma social, qualquer outra forma de sexualidade seria uma subversão, sendo atribuída a estas outras, uma percepção negativizada, inferiorizada e estigmatizada (ANJOS, 2000).
Vê-se, de acordo com esta perspectiva que a matriz da discriminação sexual na gênese dos preconceitos sociais. Assim considerando, não somente as mulheres hétero, mas os não-hetero, como um todo, seriam diminuídos em seu valor e conseqüentemente na sua acedência social.
Gomes (2003) coloca que o homem tradicional constrói sua identidade sexual utilizando-se do poder, da agressividade e sexualidade incontrolada. Em contrapartida Gozzo ET AL (2000) coloca que a mulher tradicional é educada para ser mãe e filha antes de ser mulher. Pode-se inferir de acordo com estas assertivas que há diferenças enquanto expectativas sócio-culturais para o comportamento sexual masculino e feminino.
Enquanto espera-se que o rapaz inicie sua vida sexual mais cedo, com prostitutas, tornando-se homem, segundo Gomes (2003), espera-se da moça a virgindade até o casamento para que de fato torne-se mulher.
Estas determinações histórico-culturais em relação à sexualidade masculina e feminina implicam na satisfação do prazer. Para as mulheres estas determinações dificultam o conhecimento do potencial de sua sexualidade. Gozzo ET AL (2000) coloca que as mulheres sentem dificuldades na relação sexual sentindo-se frígidas e que o medo de engravidar e a vergonha de expressar suas necessidades afetivas e sexuais entram no contexto desta dificuldade.
Para o homem estas determinações histórico-culturais do que é ser homem repercutem na saúde do corpo. O câncer de próstata é um dos principais reflexos disto, já que implica para um diagnóstico mais apurado o toque retal. Gomes (2003) apud Damatta (1997) observa que anatomicamente o homem se diferencia da mulher por sua parte frontal, sendo o falo o símbolo desta diferença, com todos os atributos histórico-culturais, em contrapartida, a parte traseira iguala-os.
Assim sendo a nádega é o símbolo desta equidade. Logo ser tocado em sua parte traseira representa simbolicamente para o homem, ser tocado em sua parte interdita e inferior, considerando a construção sócio-histórico-cultural de superioridade masculina em detrimento a inferioridade feminina.
Feitas tais reflexões pode-se inferir que a sexualidade masculina assim como a sexualidade feminina congrega a sexualidade humana com toda sua complexidade que assemelham e diferenciam os seres dentro de uma dinâmica relacional de aspectos constituintes do ser humano natural e naturalizado pela convergência de dimensões – psíquica, social, histórica e cultural sendo a sexualidade, assim como outros aspectos frutos desta dinâmica inter-relacional.
REFERÊNCIAS
ANJOS, Gabriela dos. Identidade sexual e identidade de gênero: subversões e permanências. Porto Alegre, Sociologias n.4, ISSN 1517-4522, p.274-305, Dezembro 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo, acesso em 18/05/2009.
ARÁN, Márcia; MURTA, Daniela; ZAIDHAFT. Transexualidade: corpo, subjetividade e saúde coletiva. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Rio de Janeiro, Psicologia & Sociedade ISSN 0102-7182 versão impressa Psicol. Soc. v.20 n.1 Porto Alegre, 2008, Disponível em: http://www.scielo.br, acesso em 20/05/2009.ARÁN, Márcia; JÚNIOR, Carlos Augusto Peixoto. Subversões do desejo: sobre gênero e subjetividade em Judith Butler. Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 12/05/2011.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa dicionário. Coordenação de edição Marina Baird Ferreira; equipe de lexicografia Margarida dos Anjos – 7. ed. Curitiba: Ed. Positivo. 2008. 896 p.
GOES, Romeu. Sexualidade masculina e saúde do homem: proposta para uma discussão. Coordenação de pós-graduação em saúde da criança e da mulher. Rio de Janeiro, p.825-829, S/A.
GOMES, Romeu. Sexualidade masculina e saúde do homem: proposta para uma discussão. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2003, vol.8, n.3, pp. 825-829.
GROSZ, Elizabeth. O futuro da sexualidade feminina: o acontecimento da diferença sexual. Estudo feminista, n.4, 2003.
GOZZO,T.O; et. al. Sexualidade Feminina: compreendendo seu significado. Ver. latino-am.enfermagem,Ribeirão Preto, v.8,n.3,pp.84-90, 2000.
MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidades e Violências. Gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Mulher (NEPeM/UnB), USP, Brasília, 2001.
MOTA, Murilo Peixoto. Gênero e sexualidade: fragmentos de identidade masculina nos tempos da AIDS. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 14(1):145-155, 1998.
PARISOTTO, Luciana. Diferenças de gênero no desenvolvimento sexual: integração dos paradigmas biológico, psicanalítico e evolucionista. Porto Alegre, Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, vol.25, suppl.1, p.75-87. ISSN 0101-8108, Abril de 2003. Disponível em: http://www.scielo.br, acesso em 01/06/2009.
Interessante postagem...Antes de compreender os mistérios da sexualidade humana,é importante pensar que: uma sexualidade que não apresenta a linguagem do amor é falha e compromete a realização do amor. É um comportamento sexual não condizente com a autêntica noção da sexualidade humana. A sexualidade precisa expressar-se pela linguagem do amor, do respeito, do compromisso, da fidelidade e da comunhão plena. Vamos pensar tb sobre a sexualidade humana além do corpo, vamos refletir o sentimento que ela desperta...
ResponderExcluir=)
Att: Kelle Gardênia R.J
Parabéeens Marcelo Barréti...
ResponderExcluirO blog está perfeito!
Kelle Gardênia R.J