7 de maio de 2010

Apenas quatro anos - Sentindo o peso da "diferença"



Minha sobrinha de apenas quatro anos, em conversa comigo transpareceu a tristeza por está sendo discriminada na escola. Um detalhe importante nisto tudo – são as próprias coleguinhas reproduzindo o preconceito dos adultos que a discriminam.

“Você não é princesa nada... As princesas são todas magrinhas e tem cabelo bom”.

D é uma garotinha que adora rosa, a Barbie e as princesas dos contos de fadas. Seus pais, assim como nós tios e tias sempre a elogiamos e D toda vez que se veste para sair desfila esperando nosso “Fio-fio, como ela está linda!” e ainda “Está uma princesa!”.

Entretanto, as princesas dos contos de fadas são todas parecidas – magras, brancas possuem cabelos longos e lisos. São delicadas, frágeis e vivem a espera do príncipe encantado a socorrerem de uma bruxa malvada, uma madrasta má, ou algo parecido.

Predomina este perfil nas princesas do mundo encantado infantil em contraste com as pessoas do mundo real e seus diversos perfis.

Aparentemente são inocentes as estórias e contos infantis, mas por trás da aparência despretensiosa está o reflexo de paradigmas cristalizados que reforçam preconceitos e ilusões da realidade e tendencia a supremacia de um padrão de “como ser e estar no mundo” em detrimento da diversidade de formas de “ser e estar neste mundo”.

As princesas do mundo encantado são as representações destes modelos cultuados como referenciais a serem seguidos como condição basilar de pertencer ou ser banido da normalidade.

Construímos uma normalidade da qual ninguém pode de fato está adequado ao não ser pela aparência superficial e/ou hipócrita do "ter para ser" ou pior do "parecer ter para ser", desrespeitando assim a própria essência, que grita no silêncio do Si - mesmo para ser quem de fato é flexibilizando moradas num Self Coletivo.

São situações como a ocorrida com D na relação com suas coleguinhas de escola, que nos dão pistas para compreendermos onde está a base de nossos preconceitos e quando tudo começa.

Desde cedo os padrões a serem seguidos são gradativamente introjetados em nossa mente e cognitivamente processamos como realidade a partir do reforço, assim como diz o ditado popular “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.

Desta forma, as estórias contadas em livros e em filmes, desenhos animados, assim como programas de televisão e novelas servem de reforço. Todo este mundo é apreendido desde cedo e gradativamente vai-se associando a nossa natureza e fazendo parte de nossa forma de “ser e estar no mundo.”

Chega um momento que deixamos de perceber nosso mundo interior que deveria associar-se livremente num exercício contínuo de negociação com o mundo exterior e passamos a desejar um enquadramento neste mundo valorizado como ideal e único. Por isso nossa auto-estima oscila tanto, por nos percebermos diferentes do mundo idealizado, irreal e excludente.

Não vi, durante toda a minha infância, uma princesa gorda, negra e de cabelo crespo...
Não vi um super-herói gay...
Mas ouvia piadas subhumanizando gordos, negros, gay e tudo o que fosse diferente daquele padrão bestial – ilusão de realidade.

Muitas vezes fui eu que ri dos outros até perceber o quanto também eu era ridículo.
Hoje me esforço para não ser agente de preconceitos, já que também sou vitima de alguns.

Precisamos desconstruir este mundo e reconstruir um mundo de todos e para todos, que valorize a diversidade integrada.

O mundo real é constituído de pessoas reais, gordas, magras, de diversos tamanhos e cores, qual um arco-íris.

Eu e você somos agentes e vitimas de preconceitos e discriminações até minimizarmos nossa ignorância com reflexão, autoconhecimento, exercício de empatia e altruísmo.


“Você não é princesa nada... As princesas são todas magrinhas e tem cabelo bom”.

Minha sobrinha D sentiu o peso da diferença, por ser gordinha e ter o cabelo crespo. Ainda processando profundamente disse-a “que todo mundo é diferente e bonito ao mesmo tempo”.

Infelizmente, na hora não lembrei, da única princesa fora dos padrões convencionais que existe no mundo encantado, e que melhor representa o mundo real, a princesa Fiona de Shrek – uma bela estória que valoriza a diversidade integrada.

Por Marcelo Bhárreti

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