9 de julho de 2011

Epistemologia da sexualidade humana: refletindo a perspectiva de Judith Butler


 Marcelo da Silva Barreto

Graduado em Historia
Graduando em Psicologia
 
 Quando se pretende compreender o ser humano e os aspectos que lhes dizem respeito deve-se considerar a complexidade que esta ação confere. Isto se deve pelo menos por dois aspectos básicos: Primeiro porque o sujeito do estudo também é objeto de estudo e quando objeto específico de estudo possui caracteres subjetivos como a sexualidade humana, o grau de dificuldade se eleva devido ao grau potencial de afetabilidade da relação sujeito e objeto de estudo. Segundo porque o próprio objeto de estudo é complexo em si, com infindáveis variáveis ou aspectos constitutivos. Sendo assim, não se explica o complexo, entretanto é possível uma aproximada compreensão, quando se adota uma postura multidimensional e inter-relacional de aspectos constituintes. Caso contrário, numa perspectiva unilateralista, corre-se o risco do reducionismo, limitando desta forma, a compreensão do complexo.

A sexualidade humana é complexa tal qual o ser humano é. Até que ponto o organismo biológico determina o comportamento? Ou seria o comportamento determinado pelas escolhas e/ou processo em que estas se dão? Talvez o problema destas hipóteses não esteja na diferença entre elas, mas justamente naquilo que estas têm em comum – a perspectiva determinista, que limita possibilidades extremando-as em opostos. Por que então não considerar a hipótese do comportamento humano influenciado pela convergência de múltiplos fatores e aspectos?

Numa perspectiva naturalista a sexualidade humana é determinada pelo organismo biológico. A natureza é objetivada, quantificável, explicável e é ela quem determina a existência de tudo o que existe no universo – organizado, estruturado e mantido por leis universais, naturais e imutáveis.  Logo estas leis são passíveis de serem desvendadas e conhecidas pelas ciências. 

Auguste Comte defendia um único método para todas as ciências a fim de alcançar o conhecimento positivo, entendido como aquele que é real, preciso, útil e objetivo. Logo a filosofia positivista aplicada às ciências propunha à investigação destas leis partindo dos fatos e do raciocínio lógico que regem os fenômenos (ANDREY et all, 2007).

Nesta perspectiva a sexualidade humana pode ser estudada a partir das leis naturais dentro de uma dinâmica de causa e efeito que regem o organismo biológico. A sexualidade é antes de tudo fisiológica, que reage a determinados contextos. Em síntese a sexualidade humana é determinada pelos seus aspectos naturais ou essenciais.

            Contrapondo-se a esta ideia a Filosofia Existencialista faz distinção entre o ser e as coisas, dizendo que ser humano existe enquanto as coisas são. Sarte diz que a existência precede e governa a essência. No ensaio O Existencialismo é um Humanismo Sartre escreve
:
Consideremos um objeto fabricado, como por exemplo, um livro ou um corta- papel: tal objeto fabricado por um artífice que se inspirou de um corta- papel é ao mesmo tempo um objeto que se produz de uma certa maneira e que, por outro lado, tem uma utilidade definida, e não é possível imaginar um homem que produzisse um corta-papel sem saber para que há de servir tal objeto. Diremos, pois, que, para cada corta-papel, a essência – quer dizer, o conjunto de receita e de características que permitem produzi-lo e defini-lo – precede a existência: e assim a presença, frente a mim, de tal corta-papel está bem determinada. Temos pois uma visão técnica (SARTRE, 1946: 5).

            No exemplo dado o objeto fabricado é definido pela sua essência, já que antes era apenas matéria prima depois de fabricado com um sentido utilitário torna-se corta papel passando a existir como tal. Para Sartre o homem é o único ser onde a existência precede a essência. Primeiro ele existe, se reconhece e só depois ele se define, pelas escolhas que ele faz.

Partindo destas assertivas a sexualidade humana existe com o ser que é humano e escolhe, ou seja, não é governado pela essência, no que se refere ao organismo biológico. Em síntese a sexualidade humana existe e não é determinada por seus aspectos naturais ou essenciais, mas por suas escolhas.

 Na obra intitulada “Corpos que pensam: sobre os limites discursivos do sexo” Judith Butler faz uma reflexão epistemológica a cerca dos conceitos que permeiam a sexualidade humana apresentando os limites discursivos de cada perspectiva. Entretanto parece corroborar com a ideia construtivista quando defende que a sexualidade humana é resultante do processo de materialização da norma construída socialmente, assim como da materialização da norma excluída que subverte a norma dominante. 

Na concepção de Butler o corpo é a materialização do pensamento. E este pensamento por não ser estático reconfigura-se constantemente. Enfatizando o processo de construção do pensamento coloca que ele se dá em contextos sociais e se difundem culturalmente. Logo este pensamento não é essencial tão pouco inato, mas se constrói a partir da experiência social e materializa corpos tornando-os essência em um processo também entendido como naturalização.

Quanto à contraposição ao inatismo seu pensamento entra em ressonância com o pensamento do filósofo John Loke, que diz não haver nenhuma ideia inata no ser humano, passando a existir a partir das experiências sensíveis do corpo com o mundo. 

Logo ver-se que tanto em Loke, quanto em Butler a experiência é propulsora do que o sujeito se torna não havendo uma precedência natural. Partindo desta assertiva a ideia de instinto como uma informação inata que determina alguns comportamentos humanos, como o sexual parece não fazer sentido ao considerar esta perspectiva.

A dualidade entre o essencialismo e o existencialismo, assim como o naturalismo e o construtivismo subjaz a discussão das diferentes perspectivas paradigmáticas que permeiam o estudo do comportamento humano, aqui especificamente a sexualidade.

Visto as diferentes concepções à explicação da sexualidade humana ou a compreensão da mesma representada basicamente pelas correntes naturalista, existencial-humanista e pelo construtivismo, considera-se que todas estas se posicionam em extremos, limitando assim a compreensão do complexo. Entretanto devido à complexidade inerente do fenômeno sexualidade humana e compreendendo-a como constituída de múltiplos aspectos e fatores, parece mais razoável uma perspectiva integracionista que não desconsidere nem os aspectos naturais nem tão pouco os aspectos sócio-culturais que constituem a sexualidade humana. Ao contrário disso não há uma concepção determinista, mas a consideração de uma dinâmica inter-relacional que constitui sexualidades.

REFERÊNCIAS

ANDREY, Maria Amália P. A. et AL. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

BUTLER, Judith. Corpos que pensam: Sobre os limites discursivos do sexo. In.: LOURO, Garcia Lopes (organizadora). O CORPO EDUCADO Pedagogias da sexualidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. 2 Edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Trad. Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978 [1946]. (Os Pensadores)


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