29 de setembro de 2010

A busca pelo essencial: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" algodão doce para matar a fome de uma sociedade de consumo e existencialmente vazia.

Marcelo da Silva Barreto *



Diversas pesquisas realizadas por historiadores e antropólogos, têm mostrado que a subjetividade humana não é um fenômeno natural e universal, mas antes de tudo uma construção que se dá sob determinadas condições sócio-histórico-culturais. Assim tomando por análise o transcurso histórico do mundo ocidental, no que perpassa da Idade Média a Idade Moderna, vê-se a configuração de uma crise social que tem como elemento fundamental fomentador a perda de referências, representadas pela religião, etnia, família, entre outras. A lógica disso está na mudança progressiva do sentido das referências que sai de um extremo localizado no externo e volta a outro localizado internamente. A busca do essencial se dará no reverso deste sentido na interação inter-mundos.


É sabido que na Idade Média era dado aos povos conhecer o mundo a partir da perspectiva religiosa. Conhecimento este controlado pela Igreja Católica. O Teocentrismo legitimava o poder da igreja sob o conhecimento e consequentemente sob a sociedade, em sua maioria sem educação sistemático-instituída, sem acesso a leitura, sobre tudo sem acesso aos textos sagrados.


É neste contexto que um movimento artístico-filosófico-cultural, em reação ao poderio da igreja que sobrepuja a sociedade predominantemente estúpida, faz renascer da antiguidade clássica a razão, um instrumento indispensável pelos filósofos gregos para o conhecimento de si e do mundo.

Verdades absolutas são questionáveis num mundo cada vez mais em expansão com povos e culturas diversas. A razão devolve ao sujeito a possibilidade de reflexão. Pensar o próprio pensamento, a própria existência, o seu “lugar ao sol”, a liberdade.


Entretanto, a razão trás outras conseqüências num mundo de verdades questionáveis, a perda paulatina das principais referências. E quando o sujeito precisa pensar por ele mesmo, se dá conta de sua liberdade potencial, de sua individualidade, pode estar consigo mesmo, no íntimo de seus pensamentos, na subjetividade privatizada, que cada vez mais se naturaliza.


Se por um lado a razão dá as condições potenciais para liberdade humana refletida numa subjetividade privatizada, de outro lhe proporciona a angústia do ônus de pensar por si mesmo.


As teorias se opõem entre si, as bases do conhecimento verdadeiro não são mais as absolutas de outrora, nem a proposta de liberdade confere ao sujeito a felicidade que teria. A subjetividade privatizada entra em crise.


Com a Reforma Protestante o sujeito pôde repensar a Divindade. A religião reformada não perdera, entretanto o caráter referencial de antes, estrategicamente se estruturou e instituiu o livre-arbítrio dando ao sujeito o caráter de liberdade entre escolher o que era certo e o que era errado. O poder da escolha era sempre do sujeito, o referencial, entretanto continuava sendo ofertado pela religião.


Mas o ideal de liberdade continuou sendo vendido como uma mercadoria. É assim, que o ideal iluminista de “Liberdade, igualdade e fraternidade” fomentou de esperança a sociedade francesa servido, também de base para reflexão de outras nações, favorecendo a adesão da grande massa induzível.


Entretanto, que liberdade era essa, senão de uma burguesia economicamente forte, à esquerda das assembléias a exigir maior poder político, para menor intervenção do Estado e uma maior liberdade econômica, dos que detinham os meios de produção? A mesma liberdade informada e compreendida por outras classes sociais cada vez mais definidas?


A liberdade de fato é uma necessidade humana, a liberdade a partir do usufruto da consciência que assume a responsabilidade do próprio agir diante os efeitos de seus atos. Entretanto, quando não se tem consciência do processo por traz do aparente, a liberdade é experienciada com angústia.


Não há liberdade de pensamento, de fato, quando no ínterim do mundo interno há uma coletividade de “vozes de mercadores” a propaganear o sonho de felicidade. Sonho comprável, sonho vendível numa sociedade de consumo, que desesperadamente precisa compensar “vazios existenciais” suprindo necessidades substanciais e necessidades construídas, àquelas cada vez mais superficiais e imediatas, mas também efêmeras porque não compensam por não atenderem de fato as necessidades essenciais.


O resultado de um sujeito que se reconhece como indivíduo, mas que não aprende a lidar com o potencial de liberdade, e ainda sem referencias que lhe proporcionem relativa orientação é o acionamento de mecanismos de defesa contra um mundo aparentemente assustador e cruel. O individualismo instituísse como o reflexo coletivo de uma sociedade angustiada e vazia tentando compensar imensos vazios, consumindo.


O capitalismo de ontem e de hoje compreende bem esta dinâmica e por isso surge, permanece e renova-se nos bastidores de nossa inconsciência e passividade política, funcionando de forma a ofertar “algodão doce” para matar a fome de uma sociedade de consumo e existencialmente vazia.


Mas como compensar vazios que de fato nutram a o ser humano em sua totalidade? O que é este ser humano e o que lhe constitui essencialmente?


Infelizmente a psicologia não surgiu naquele contexto para satisfazer estas respostas, mas como reflexo de uma sociedade capitalista crescente processo de industrialização, que precisa funcionar como uma grande máquina a serviço de uns poucos, onde as engrenagens eram seres humanos, que precisam ser conhecidos em sua estrutura e dinâmica psíquica para melhor serem controladas, atendendo assim os interesses dos que estão no topo da pirâmide capitalista, àqueles que detêm os meios de produção e consequentemente o poder.


Por isso que, no final do século XIX, a psicologia científica surge e é legitimada pela comunidade científica ainda positivista, por proporem objetividade, previsibilidade e controle do comportamento humano atendendo o interesse do Estado, das Forças Armadas e de Empresas.


As diversas crises sociais existentes, durante toda história da humanidade, refletiram nas insatisfações predominantes destes contextos e impulsionaram transformações, desconstruções, reconstruções e a construção de novos paradigmas de ser, estar e se comportar num mundo coletivo de subjetividades privatizadas. Logo, os “vazios existenciais” precisam existir para que a humanidade insaciada sinta a necessidade de nutrir-se do essencial, já que “algodão doce” não alimenta, apenas engana a fome e satisfaz prazer imediato. O essencial precisa ser problematizado e buscando no mundo íntimo à medida que interagimos com o mundo externo e coletivo. O essencial será percebido à medida que a satisfação for mais profunda, que intensa, mas prolongada e processual que imediata.

REFERÊNCIA

FIGUEIREDO, Luís Cláudio M. In: Precondições socioculturais para o aparecimento da psicologia como ciência do século XIX: A experiência da subjetividade privatizada. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 208 p.


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*Historiador e graduando em Psicologia



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