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30 de março de 2013

JUDAS TRAIDOR?



         A Semana Santa é para os cristãos um período de rememoração dos últimos momentos de Jesus encarnado na terra.
            Caro leitor, você acha que este é um período de reflexão daqueles eventos?
            O que é reflexão mesmo?
            Seria reproduzir uma ideia e/ou pensamento?
            Ou seria pensar o pensamento? Questioná-lo, problematizá-lo, fazer devidas associações e considerações sobre outras perspectivas e hipóteses?
            Desde criança, sempre me intriguei com a “Semana Santa”. Não podia comer carne vermelha. Na Bahia comíamos caruru, vatapá além do peixe. No sábado de aleluia, nos bairros havia e até hoje há, em menor número, a queima de Judas e no domingo comíamos ovo da páscoa trazido pelo coelhinho representante maior deste dia.
            Lembro que faziam um boneco muito feio e antes de queimá-lo lia-se um texto bem debochado associando a tudo que a sociedade considerava condenável. E eu pensava assim: nossa a qualquer hora destas, me queimam qual o Judas, porque eu tenho esta ou aquela característica. Imaginando ser o único. Identificava-me com o Judas e sentia piedade dele.
            Não entendia tão complexo sentimento me atormentava. Que bom que cresci e estou devagarzinho amadurecendo e hoje me dou ao luxo de questionar tudo isso. E por que não?

            Na graduação de história tive a oportunidade de conhecer outros fatos e eventos que me fizeram refletir melhor. Pelo menos considerar que a história que se reproduz anos após anos, pode ter outras perspectivas e versões.
            A história da qual conhecemos como oficial é relatado a partir dos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. São considerados apócrifos, ou seja, sem autenticidade, os Evangelhos de Maria, Maria Madalena e de Judas. Você já se perguntou o porquê disso? Por que não conhecer outras perspectivas de uma mesma época? O que estes outros evangelhos têm a nos dizer?
            A história que nos contam representa Judas como um traidor, Barrabás como um ladrão e assassino e Jesus como um ser passivo, que se deixou ser preso, condenado e crucificado. Não é isso mesmo?
            O mesmo Jesus que questionava as convenções e dogmatismos da época, que trabalhou aos sábados, interagindo com pessoas, ditas de má índole, derrubando bancas de comércio em templos religiosos, enfrentando assim a religião dominante a época com chicote nas mãos foi o mesmo Jesus crucificado. Parece-nos uma contradição em termos de personalidades. Por um lado um Jesus firme e revolucionário, por outro passivo. É justamente este passivo que me incomoda, que não combina com a figura revolucionária de Jesus.
            Geralmente tendemos a representar a ternura, bondade, amorosidade com passividade. Esquecemos que muitas vezes precisamos dizer não, sermos firmes com alguém justamente porque a amamos e queremos o seu bem. Tentemos interpretar o “sim” como positivo e bom e o “não” o contrário disso. E assim fazemos dicotomia “bem-mal”; “bom-mau”; “certo-errado”, etc. Não considerando a complexidade entre um e outro significado limitado a sua denominação simplista.
            Particularmente represento Jesus como um ser amoroso, por isso mesmo firme – um revolucionário. Entretanto, a revolução de Jesus não era a mesma que o povo esperava à época. Barrabás também era revolucionário e foi preso, junto com membros de seu grupo no ataque aos soldados romanos em Cafarnaum, onde na ocasião do combate morrera um dos soldados do Império Romano.
            Quando Pôncio Pilatos, governador da Judéia, concedeu ao povo o direito de escolher entre Jesus e Barrabás o povo escolheu este último não foi sem motivo e/ou sem razão. O povo queria um guerreiro, um revolucionário que os libertasse da dominação romana e naquele momento Barrabás pareceu ser o melhor representante para suas expectativas.
            A revolução de Jesus não limitaria aquele povo, mas começaria a partir daqueles eventos. Assim como sua morte, como se deu, era a estratégia perfeita para transformar-se, a posteriori, em um mártir.  Mas, Judas não havia entendido isto. Entretanto, dos amigos de Jesus, talvez fosse o que mais percebesse o poder extraordinário Dele.
            Assim como Barrabás, Judas também foi um revolucionário contra o Império Romano. Identificou-se com Jesus, por perceber a sua força junto às multidões e sua indignação a toda forma de opressão. Entretanto, ele não entendeu a natureza do caráter revolucionário de Jesus circunscrevendo suas expectativas à questão política da época. Sabendo da potencialidade de seu amigo, mas indignado com a forma como Ele estava conduzindo as coisas, entendeu o sinal de Mesmo como uma autorização para fazer o que precisava ser feito.
            Entregando-O, Judas esperava que a multidão reagisse a favor de Jesus enfrentando o exército e que Ele no momento oportuno também reagisse, com seu poder extraordinário (da qual presenciou diversas vezes) destruindo o império romano. Porém, para sua decepção e tristeza não foi o que aconteceu. A multidão desconstruiu a representação de Jesus como um Salvador, vendo-O dominado pelo exército romano, optando assim, por Barrabás que liberto poderia libertá-los da opressão em que se encontravam.
            Judas frustrando-se cometeu suicídio, relata a história. Agora me digam se ele poria fim a sua própria vida se sua atitude fosse motivada por dinheiro ao invés de uma estratégia para libertação do povo contra a opressão romana? Acredito, que se a motivação de Judas fosse o dinheiro ele seguiria sua vida gastando-o. Perversos não têm crises existenciais, não sofrem com o sofrimento alheio, tampouco sentem culpa.
            Considero que este é um momento oportuno para refletirmos a história e não de reproduzirmo-la. Dá trabalho pensar não é isso? Por isso mesmo é mais fácil queimar o Judas todos os anos, não comer carne vermelha e fingir que estamos homenageando Jesus, comendo ovo da páscoa no domingo.
            Se Ele mesmo nos ensinou a perdoar, por que não começamos por perdoar aquele que acreditamos tê-lo traído? É no mínimo uma incoerência, não é mesmo? Ou seria hipocrisia? Se fizermos uma autorreflexão profunda, uma autocrítica genuína é provável que encontremos este Judas que estamos condicionados a condenar dentro de nós mesmos.
            Lembremos que Madre Tereza de Calcutá realizou uma obra belíssima e utilíssima quando em processo de reflexão íntima percebeu Adolf Hitler dentro dela. Ô gente, quem somos nós para condenar ninguém? No máximo que deveríamos fazer é avaliar as ações em seus devidos contextos e em seu poder de beneficiar ou prejudicar indivíduos e coletividades.
            Provavelmente se uma pessoa surgisse hoje dizendo ser “O Messias”, questionando as interpretações equivocadas e tendenciosas do sentido de religiosidade, as atitudes de quem detêm o poder, seja religioso, político partidário, seja econômico, seja qualquer forma de poder que não beneficie o crescimento geral da coletividade, condenaríamos esta pessoa. Desconfiaríamos dela, chamaríamos de charlatã e projetaríamos todas as nossas tendências maléficas nela. De novo não reconheceríamos a árvore pelos frutos, tal fizeram os contemporâneos de Jesus, e assim como fazemos até hoje.

Marcelo Bhárreti

Um comentário:

  1. Achei muito prudente a sua colocação Marcelo. Eu cresci na igreja católica e sempre tive o Judas como o traidor que se vendeu por um punhado de moedas para entregar Jesus Cristo às autoridades romanas. Só mais tarde pude ter conhecimento de outros fatos que me colocaram a pensar sobre o assunto e ter uma outra visão de toda essa história. Obrigado por nos trazer tais questionamentos. Parabens meu querido irmão. Abraço. Alex - Porto Alegre

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